sábado, 1 de outubro de 2011

Duas Prostitutas, Duas Mulheres, Duas Histórias.



No conto Bola de Sebo, de Guy de Maupassant e em Lucíola de Jose de Alencar o tem gira em torno de uma prostituta. As duas personagens dão nome as tramas em questão e, já pelos seus títulos, podemos perceber as diferenças na abordagem e no tratamento dado as personagens.
Bola de Sebo é um romance realista que conta da viajem de um grupo de dez pessoas que durante a invasão de Paris, durante a guerra franco-prussiana. Dentre estas pessoas encontra-se Bola de Sebo, uma prostituta assim apelidada por sua constituição física, como podemos observar:
“A mulher, uma dessas chamadas galantes, era célebre por sua gordura precoce, que lhe valera o apelido de Bola de Sebo. Miúda, redondinha, gordinha com dedos rechonchudos estrangulados nas falanges como fieira de curtas salsichas, com uma tez luzidia e tensa, o seio enorme a rebentar a blusa, era, no entanto, apetitosa e desejada, de tal modo agradava à vista o seu frescor.”
(2002, p.18)
Esta prostituta é em principio hostilizada por aqueles que viajam junto com ela, até que, sendo a única que levava algum alimento naquela viajem, oferece compartilhar a comida que tem, com todos.
“Obrigados” pela atitude de Bola de Sebo, até mesmo os mais resistentes acabam por admitir sua existência entre eles, conversam e passam também a vê-la como uma pessoa, tal como eles.
Mais tarde, porém, quando são detidos por um oficial prussiano que impede que prossigam e por condição para que sigam a viagem dormir com Bola de Sebo. Assim que os outros tomam conhecimento disso, e percebem que a prostituta, por questões de principio, se nega a acatar tal condição, retornam em sua revolta e hostilidade. Depois de alguma resistência, e utilizando até mesmo de chantagem, o grupo acaba “forçando” Bola de Sebo a acatar o que a condição do oficial.
No fim, quando são liberados, voltam a tratar a prostituta com frieza e desprezo, tanto que ao saíram levando comida, a prostituta, constrangida e apressada esquecera-se de apanhar alimento e seus companheiros de viajem nada lhe ofertam. Ela por fim, chora sentindo-se desprezada e usada, como observamos na seguinte passagem: “Ninguém a olhava, ninguém se importava com ela. Sentia-se afogada no desprezo daqueles honestos crápulas, que primeiro a haviam sacrificado, e rejeitado depois, como uma coisa indecente e inútil.” (2002, p.43).
Lucíola, por sua vez é um romance romântico, contado através das cartas de Paulo a uma senhora. Aqui, temos a figura da prostituta regenerada, o que era comum no período romântico francês e que influenciou grandemente os autores brasileiros. Através de tais cartas, Paulo conta a senhora sua historia de amo com Lúcia, que teria acontecido seis anos antes.
Desde que a conhece, Paulo se vê encantado com a moça, mais tarde ao reencontrá-la, descobre tratar-se de uma prostituta. Após esse evento Paulo torna a procurá-la desejando-a. Ela o rejeita em principio, mas acaba cedendo.
Paulo recebe as piores referencias com relação à Lúcia. Paulo fica divido entre o amor arrebatador que passa a sentir o preconceito imbuído nele pelo pensamento da sociedade da época, que com hipocrisia, via a prostituta como um ser marginalizado e impuro, sem, no entanto deixar de “utilizar” de seus serviços.
Aos poucos e pelo amor que Paulo lhe desperta, Lúcia vai transformando-se de uma prostituta libertina, que aprecia o luxo e tudo quanto seus amantes podem lhe dar, em uma criatura frágil e assumindo, ela também os preconceitos da sociedade, deixando a sim a vida que levava anteriormente.
Paulo passa a praticamente viver com ela e se torna alvo de comentários e censuras. A sociedade comenta o fato de Paulo viver à custa da prostituta e também o fato de tê-la afastado da “vida em sociedade”.
Lúcia acaba retornando a vida mundana, mas já sem o mesmo apreço de antes. Paulo não compreende as atitudes dela. Mais tarde ela vai revelar-se suas origens e como inicio sua vida na prostituição, por causa de um surto de febre amarela que acometeu sua família.
Conta a ele que foi expulsa de casa e acolhida por uma mulher que lhe inicio na prostituição e, possuía uma amiga, uma companheira e que quando esta morreu, decidiu assumir-lhe o nome: Lúcia. Conta também que todo o direito que ganha, ela guarda para futuramente poder dá-lo com dote da irmã Ana, de quem se tornou responsável após a morte dos pais. Assim, ele passa a compreender melhor as contradições e dualidades dela e ama-la de forma sincera.
Porém, a este ponto, Lúcia já havia tomado a decisão de abandonar a vida de libertinagem e para tanto assume que precisa, inclusive, abrir mão do sentimento que a une a Paulo. Vai morar em uma casa afastada com a irmã mais nova.
Paulo ainda tenta recuperar seu amor, mas ela se recusa. Propõe a ele que se case com sua irmã, mas ele recusa incrédulo!
Lúcia aborta um filho que estava esperando de Paulo, mas se recusa a retirar o feto já morto. Acaba morrendo nos braços de seu amor e como ultimo pedido, pede que ele cuide de sua irmã Ana, o que ele confirma que fará no final das cartas recebidas pela senhora.
Como dito no principio, temos duas narrativas que tratam do mesmo tema, porém de perspectivas diferente. Embora em ambos se retrate o preconceito da sociedade, não só quanto a posição feminina na sociedade, como também e principalmente, com relação a figura da prostituta. Nas duas narrativas há um forte preconceito, bem como uma grande hipocrisia no tratamento dado à prostituta.
Age-se como se fossem pessoas menores, sem mérito e até mesmo impuras, porém também é possível identificar uma visão machista que não se importa em fazer uso dos serviços oferecidos por essas mesmas mulheres, desde que fique bem delimitado o lugar delas em relação às “mulheres de respeito”.
Muito embora as duas tramas se toquem neste ponto, se afastam quando descrevem suas personagens.
Enquanto Bola de Sebo, Elizabeth Rousset é uma mulher forte, descrita de maneira realística. Retratada da forma que é, sem que nenhum floreio ou contorno poético seja dado a sua pessoa, nem como prostituta, nem como mulher. É apresentada com seus princípios e suas falhas, assim como ela os demonstra. É uma prostituta, não deseja não sê-lo, não vê nisso nada de pecaminoso ou impuro. Ela é mostrada como é e, apenas é o que é.
Já em Lucíola, a prostituta Lúcia é apresentada de um ângulo muito diverso. Praticamente obrigada a vida da prostituição, possui internalizado o mesmo preconceito social vigente em sua época. É uma pessoa ressentida e dilacerada pelos sentimentos de culpa e até mesmo, em certo ponto, sente-se indigna e impura.
Lúcia é mostrada através da ótica do romantismo, busca por regeneração e redenção, que lhe é concedida, pelo autor, no final da obra, através de sua morte. Morte essa que também denota um traço do romance romântico, onde os amantes preferem-na à impossibilidade de viverem seu amor.
Além de envolta pelo véu do amor sublimado, irrealizado, retratado no romance, Lúcia não é completamente verdadeira, visto que intimamente, parece lutar contra sua condição de prostituta, o que a leva no final da trama a abdicar desta vida, buscando tornar-se “uma pessoa melhor”, mais pura e mais digna.
Nenhuma dessas perturbações povoa a mente de Bola de Sebo. Ela é ocupada pelos sentimentos que todos os seus contemporâneos têm com relação à situação vivida por seu país e sua cidade, além de possuir sentimentos humanos comuns a quaisquer pessoas.
Em suma, temos a figura de duas prostitutas, porém, uma delas retratada de maneira idealizada, com moralismo, na intenção reforçar os valores da época, a ética, os bons costumes; outra retratada com realismo, com verdade, sendo uma pessoa do jeito que é.

Referências bibliográficas

ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: Editora Escala, 2008.
MAUPASSANT, Guy de. Bola de Sebo e Outros Contos. São Paulo: Martin Claret, 2003.

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